Entidade, de Erick Carjes


Fui a Comicon este sábado (13/11/2010) e me decepcionei. Não sou um fanático por quadrinhos, mas como todo adolescente da chamada geração Y, a qual, por definição não me incluo, mas sou incluído por cronologia, meu vício por livros teve como um dos pontos de partida os quadrinhos (os outros foram Monteiro Lobato e a estante de livros do meu pai, a qual devo um texto por si só, pois tem histórias legais referentes a ela). Enfim, gosto de quadrinhos. Trocava com meus amigos. Um deles, o Ronaldo, tem um pai jornaleiro, e assim, nos fazíamos. Mas me distanciei da cultura dos comics. Perdi muita coisa; um monte de coisa aconteceu, inclusive no cenário nacional, e eu por fora, lendo livros ou preocupado com música (e mesmo assim de uma forma relaxada). Esperava um resgate da minha “adolescência” quadrinesca nesta Comicon.

O evento, extremamente pequeno, não tinha nada demais. Eram no máximo uns 15 estandes, na qual a Livraria da Travessa claramente dominava o recinto tentando vender aos trouxas que compravam quadrinhos mais caros do que na sua própria loja; poucas novidades, espaço pequeno… Decepcionante, repito. Esperava uma mostra; vi uma feira livre (apesar dos debates que rolaram, que devem ter sido excelentes, pois não consegui ir a nenhum – lotava muito fácil).

Mas disse poucas novidades. Porque houveram algumas. E a mais bela e surpreendente foi ter comprado a obra do, pra mim desconhecido, Erick Carjes, chamada Entidade. Não vou a uma feira pra comprar algo que posso comprar a qualquer dia do ano. Se vou, quero o diferente, o raro. E não me arrependi.

Falando como leigo em quadrinhos, a obra de Carjeso deixa de ser uma inovação de linguagem. Cada página é um quadro. É uma visão ampliada da cena, sempre, o que dá uma amplitude a leitura e aproxima mais o leitor do que está acontecendo. Dá uma sensação maior de estar assistindo a tudo de perto. Seus traços são fenomenais: há uma ordem no caos; a beleza escondida no que parece um mero rabisco; detalhe onde não se espera. Destaque para o close no interrogador. Todo em preto e branco, é primoroso. Há a preocupação da luz, da perspectiva e da textualidade através da imagem; ela fala quase que sozinha, como na cena da coletiva de imprensa. A história não deixa de ser cativante. Não há heróis e estardalhaços estéticos inúteis; há apenas o ser humano e sua humanidade sendo discutida a fundo. Há a simplicidade caótica do cotidiano sendo jogado crua aos nossos olhos. Aliás, a procura dos olhos dos personagens, que nunca são detalhados, é a procura da humanidade em um enredo em que de início se pensa ver o sobrenatural (como o nome sugere) e no final se descobre o que há de mais dolorosamente humano em todos nós. É penoso e delirante descobrir e admitir a humanidade despida de romantismos. É uma (auto)reflexão intensa da sociedade. Filosófica até. E no final, penso ser impossível terminarmos a leitura sem nenhum questionamento. Este é pra mim o melhor de Entidade.

Quem já viu algo da Comicon americana sabe que lá é um evento gigantesco, com bonecos hollywoodianos gigantescos anunciando o último lançamento cinematográfico com algum herói da moda, todos os astros de ponta, estandes milionários, estardalhaços e perfumarias. Não digo que não gostaria disto aqui; mas se no próximo ano eu puder me deparar com mais obras como Entidade, mais autores independentes supreendentes e mais pessoas preocupadas em fazer arte de/com verdade, eu sairei muito menos decepcionado e muito mais feliz, como saí no sábado.

P.S.: uma matéria sobre a Comicon num site especializado (e portanto não é leigo, como eu) que também se decepcionou um pouco, mas que conseguiu descobrir e ver coisas que eu não consegui:

3 Respostas para “Entidade, de Erick Carjes

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  3. Essa é de longe a melhor resenha escrita sobre Entidade!
    Sou incapaz de lhe agradecer o suficiênte e de expressão como fico feliz por você ter gostado tanto!

    Se depender de mim, garantirei novas e melhores surpresas a cada feira, vou garantir também que fãs (?) como você sejam sempre bem vindos e que saiam com sorrisos no rosto.

    Seus elogios me motivam a produzir mais e mais. Por isso tudo, muito obrigado!

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